O caixa que me atendeu, muito educada e simpática, era uma mocinha negra, uns vinte anos de idade, aproximadamente, com umas tranças de botar o Bob Marley de joelhos! Caiam pelo ombro e, quase até a cintura, não permitiam que o burocrático uniforme das Lojas Americanas despersonalizasse sua beleza.
Mas, nem deu tempo de elogiar seus dreads - no estilo! -, pois, ao efetuar a operação para pagar umas poucas coisinhas, a máquina não aceitou a operação por aproximação remota, como tenho utilizado bastante, evitando, assim, mais um item em contato com outras superfícies.
Tentando, outra vez, aproximar o cartão da maquininha, a mocinha me disse que não tinha aquela função.
Em tempos de corona, o melhor é evitar o contato. Mas, fazer o quê?!
Inseri direitinho, mas, logo veio, novamente, a fatídica
CARTÃO INVÁLIDO
Como assim?! Eu tinha acabado de sair do Lancheiro, ali de frente, com uma pizza de 45 cm dentre outras compras para aquela sexta feira, início de um fds especial, e eu paguei, direitinho, por aproximação remota, com aquele mesmo cartão!
Eu tinha que levar aquelas compras, pois, além das miniaturas de carrinhos para o José e o Davi. ainda havia as barras de chocolate.
Não é preciso ser um Chicago Boy, da equipe econômica, pra saber da recessão - não é só na Cesta Básica do brasileiro e no selfie service que tá faltando o arroz: no PF e na marmita o nosso preferido tá bem mais escuro.
Não tá fácil pra ninguém: pra gente, pra mocinha do caixa, pro Vin Diesel...
Mas, diante do isolamento social de mais de sete meses, aqueles itens também se revestiam de grande necessidade: hot whells utilitários e Garoto meio amargo. Afinal, depois de tanto tempo afastados, às vésperas do dia das crianças, finalmente, os primos iriam se encontrar e passar três dias juntinhos lá em casa.
Não se tratava de uma simples black friday, mas como tentativa extrema, então, ao reiniciar a máquina, inseri o bendito e...
CARTÃO INVÁLIDO
Tirei da máquina e tratei de limpá-lo na minha camisa, como todo brasileiro esperto que sabe de tudo, desde os atributos milagrosos da cloroquina, passando pelos efeitos imediatos do canela de velho, passando pelos microchips e acidez do café.
Mas, claro que a sabedoria compartilhada vai além do que se sabe: o cartão poderia estar com a sua tarja desmagnetizada e, passando num tecido, poderia resolver.
CARTÃO INVÁLIDO
A mocinha tinha mais experiência. E sabedoria.
Olhando nos meus olhos, amigável e tranquilamente, com um tímido sorriso naquele rosto de linda cabeleira, a mocinha dos dreads falou delicadamente,
Limpa o cartão no seu cabelo e insere novamente. Costuma funcionar, disse, com sua voz de ébano da Jamaica.
Quisera ter as pantomimas do maravilhoso lord vagabundo para demonstrar minha incapacidade em realizar a proeza. Mas, me esforçando para não deixá-la sem graça ao perceber o que tinha escapado ao seu olhar, meu riso acompanhado pelo piscar de olhos foi o silêncio que faltava para preencher o momento até que, recomposta, me pediu dirigir-me a outro caixa.