terça-feira, 11 de abril de 2023

Diário, 2a semana. Circuito Rio 2023 - 1a Etapa (Episódio 2/4)

Final da prova


A água tem disto de ventre materno, a que sempre buscamos retornar pra nossa proteção. Como todo esporte,  trabalho ou estudos, carrega, também, as nossas identificações. Lutei, corri e nadei por quase toda minha vida. Nas academias,  na minha formação, estudos e  trabalho; na praia,  em mar aberto ou nas piscinas; na areia,  nas ruas, nas pistas. E, por que não  atrás de ônibus, como todo  trabalhador proletário?!

Mas a natação, dentro do meu programa de treinamento, desponta como nenhuma outra prática esportiva: a água da piscina me acolhe e me abraça. Relaxa toda a musculatura e me alongo completamente, sem o peso ou as limitações do corpo. Água é vida.

Permanecemos por nove meses envolto pela água. Meu corpo, assim com o mundo, depende da água.  O equilíbrio homeostático depende do meio aquoso. Nossa vida também. 

Com o passar dos anos, toda nossa musculatura e pele, naturalmente, por perder água, apresenta os sinais de fadiga e da desidratação. São as placas indicativas dos quilômetros que faltam pra completar a grande prova. A ampulheta em que desce a areia com as folhas do calendário. E, com o passar dos anos,  a proximidade da linha de chegada.

Iniciando o 2º mesociclo de treinos para o Circuito Rio 2023 - 1ª etapa, acho que esta será uma semana de reflexões sobre a linha fina que separa a vida da morte. O definitivo final da prova. A linha de chegada. 

A implicação desta narrativa partiu do propósito de fazer uma linha do tempo, não muito longa! - a partir da pandemia.

Desconfiei dos motivos do ponto de partida, da distância, já que prefiro as longas. Treino para maratonas.

Escrevo no início de uma semana depois das tragédias dentro de algumas escolas do Brasil, com assassinatos de colegas e de estudantes. A morte rondou - e chegou! no espaço principal de efervescência da vida. 

A gente começa a morrer no momento em que nasce e, para não morrer, é preciso não nascer. Este não é o meu caso, pois estou vivo. E gosto muito da minha vida.

Minha primeira e mais importante corrida me trouxe ao lugar mais alto do pódium. Fui um espertozóide muito bem preparado e de excelente compleição física pra merecer mais que uma medalha, mais que um troféu.

Assim como a natação, as corridas significam e acrescentam bastante na minha qualidade de vida. É isto que dizem  os médicos e os exames periódicos frequentemente.

Mas, não é nada fácil falar da morte num canal destinado às pessoas que estão no ápice da existência, na melhor fase da nossa vida, que aprendemos a valorizar cada segundinho de nossas vidas, a viver o que existe, que é o momento presente. 

O passado já passou e o futuro nem sequer existe. E pode não existir. Depende de um montão de fatores e, muitos deles, fora da nossa esfera de compreensão, alheios à nossa vontade.

Gosto da expressão de Manuel Bandeira: a Indesejada das gentes. E quem, em sã consciência, deseja?! As metáforas sobre a morte pertencem ao nosso imaginário e vocabulário tanto quanto o que não traz boa sorte. Desde pequenos temos sido cerceados em falar qualquer palavra ou assunto relacionado à morte.

Alimentamo-nos num caldo cultural que reforça a ideologia da eterna juventude, vivemos numa sociedade que cultua a juventude e rejeita a velhice, porque entende a morte como fim. Afora as crenças religiosas - quem morreu não voltou pra contar como é o lado de lá. 

Diferente de nossa espécie, os insetos não negam a morte não só por não dispor de mecanismos cognitivos, de racionalidade, como os nossos, mas, principalmente, por serem criaturas que já nascem pra viver pouco: 24 horas. Não por acaso são efemerópteros. Criaturas de vida curta. Não negam, também, pra não perder tempo com racionalidades vãs. 

Apesar de gostar desde cedo de esportes, inclusive tendo praticado vários, com certa intensidade - ciclismo,  canoagem, surf, luta, corrida - foi durante a pandemia que, privado do contato social devido ao necessário isolamento, aprofundei-me na importância das práticas esportivas regulares como possibilidade de me tornar um idoso saudável e ativo em busca da longevidade, com qualidade e alegria de viver. 

Foram mais de 700 mil pessoas mortas, atletas ou sedentárias; saudáveis ou não; idosos e jovens. A morte, pela pandemia, rondou ou passou bem pertinho de todas as casas. Ainda mais contando com um grande aliado na presidência da República. Claro que a população de risco sofreu maiores baixas. 

Há mais perdas do que ganhos no trajeto que percorremos nesta competição. Minhas articulações, meus ossos,  músculos e visão diariamente me lembram disto. 

O bom é que há algumas vantagens, por exemplo, o idoso, apesar da intensa perda de massa magra, tem maiores possibilidades de adquirir uma boa condição física mais rápido que um jovem, assim como ampliar mais rapidamente e com maior intensidade o seu VO2Max, sua capacidade cárdio pulmonar. 

E, não bastasse o que tenho percebido nos meus resultados, -  superiores às minhas primeiras maratonas, há décadas,  - algumas pesquisas apontam nesta direção.  

Meu foco nunca foi superar aquele rapaz, de 20 e poucos anos,  mas,  sim, este senhor que vos fala. Hoje, na minha corrida semanal de velocidade, bati o meu RP, baixando o meu pace para 5:58. Completei os 10 km em menos de uma hora.

Maratonistas são bem mais frequentes entre os adultos e idosos. Os riscos de doenças do coração acometem bem mais a população jovem, que também é refém de outros perigos dos quais, nem sempre por nossa vontade, nos privamos. Há muito não volto tarde da noite, sozinho, de algum botequim. 

Quase me esqueço de quando fiz minha última trilha perigosa no morro da Urca, ou mergulhei das pedras do Arpoador. Nunca pilotei motocicleta, e não o faria aos 66 anos. 

Também nunca surfei em cima de um trem em movimento. Prefiro aguardar o próximo. Sem a garantia da viagem, claro! Certamente eu rejeitaria um convite pra saltar da Pedra Bonita, na Gávea, no Rio de Janeiro, numa colorida asa delta ou de paraquedas, de um avião.Voar é para os pássaros. O céu é dos aviões, me ensina Caetano Veloso.

Mas desenhar uma linha do tempo - assunto desta narrativa - medeia entre dois aparentes extremos em minha vida: a chegada da avó de minha companheira pra morar conosco e o nascimento do José, nosso filho. Ele com os seus pouco mais de quatro anos e ela com seus longevos, saudáveis e lúcidos 95.

Uma lição pra viver o que existe - o dia de hoje, - expressando uma dúvida bem mais existencial do que civilizatória. 

Entre diversos povos originários, vários, se relacionam com o tempo diferente de nossa civilização. A morte não se traduz em finitude. 

A ancestralidade, a mitologia, os ajuda na construção de outras possibilidades de existir,  de se relacionar com seus semelhantes, com a natureza e  com a morte. Não gostamos de expor fotos de pessoas mortas na parede. E olha que o existir prende-se à memória, ao registro.

Nós, os vivos,  já nos despedimos de muitas pessoas e parentes queridos,  mas eles seguem em nossa memória. O esquecimento, o desaparecimento das lembranças nos leva à morte. A outra é a mudança de um estado a outro.

domingo, 2 de abril de 2023

Diário, 1a semana. Circuito Rio 2023 - 1a Etapa (Episódio 1/4)



Lactato e treino regenerativo, 1a semana.

O Circuito RJ 2023 destaca a fauna da mata atlântica, em 3 etapas, nas distâncias de 3km, 5km e 10km, sendo o destaque da 1ª etapa o tucano; da 2ª etapa, a arara e da 3ª etapa, o mico-leão-dourado, cujos desenhos foram estampados nas camisas e kits da empresa responsável pelas inscrições. Como as minhas eu sempre faço pela Appai, vou correr com  a da segunda temporada, amarela com detalhes azuis.




Necessária, útil e urgente a pegada pela natureza que dá nome ao circuito, com animais de nossa fauna em extinção.  Já passou da hora de se tentar reverter o quadro desolador de agressão ao meio ambiente, à flora e fauna do planeta, enfim, ao ecossistema.

Aqui onde eu moro, há uma enorme concentração de passarinheiros - "passareiros", como eles se tratam.

No domingo, quando me obrigo a cruzar com um bando deles, já no final do meu treino longo, tento disfarçar minha revolta,  mas não consego responder um eventual "Bom dia!". Passo olhando pro nada, acelerado.

A inação da guarda florestal na feira, onde são vendidos animais a luz do dia já foi matéria de diversos jornais da Globo. São pássaros raros, tartarugas, coelhos, peixes em aquários, filhotes de "cães de raça" oferecidos escancaradamente. Todo sábado faça chuva ou faça sol.

Numa  rua por onde passo, todos veem uma arara presa numa gaiola, a mostra na varanda, como deboche e certeza de impunidade.

O Brasil lidera o ranking como país que mais mata defensores do meio ambiente e que mais desmata, e que, se quem tem que fazer algo não o faz, é porque tá envolvido com o crime, lembra minha companheira.

Diariamente, quando levamos nosso filho pra escola, sinto sua tristeza, ao vê-la cantar, melhor: lamentar do seu destino.

Então, a CPR Eventos, empresa organizadora do evento, merece todo meu elogio pela excelente temática do Circuito.

Elogio também o Paulo, meu colega de trabalho e de equipe, também corredor pela Appai, por tanto me motivar em me superar e que, mesmo sem saber, fez com que eu, ao trocar uma prova menor por uma maior, mantivesse o objetivo na diminuição do meu pace, agora, nos 10 km.

Os treinos de tiros, de quilômetro em quilômetro, - 3 km, 5 km, 8 km - com aumento gradativo na velocidade e reposição, deve ter criado algum tipo de memória corporal, me permitindo baixar de 5:47 pra 5:44, nos 5km. 

O pace ideal depende da distância proposta. No meu caso, tenho me esforçado em aumentar o pace entre 10 e 15 segundos, a cada “dobra” de distância. Assim, correndo 5km, teria como chegar a 25 minutos (pace de 5 minutos / km).

Ou seja: o pace é mais uma questão de treinamento que de idade, pois quem não se emociona ao ver um idoso correndo abaixo dos 5:00 por quilômetro numa maratona? E não são poucos, haja vista o resultado da última edição deste Circuito, na categoria M65-69. 

E olha que nem  estou falando dos "fora da curva", que, aos 90 anos continuam completando os 42 km, de maratonas internacionais. O meu corpo é o resultado do que faço com ele hoje.

Aumentando o meu VOmax, com o aumento gradativo de velocidade, é bom repetir a mesma estratégia em distâncias maiores, pra não parar de ganhar intensidade e volume rumo aos 42 km, da Maratona em Vitória,  no Espírito Santo, em outubro deste ano. Agora, é focar nos 10 km enquanto não surge outra corrida maior pela Appai, de 21 km, pra começar outro ciclo de treinamento.

É uma questão de me concentrar na quilometragem proporcional ao Circuito, acelerando e recuperando gradativamente, considerando a diversidade de estratégias de corridas de média e de longa distância. É o que me basta por hoje.

Não é impossível,  mesmo pra quem ainda comprou um Garmin pro controle visual. E, claro,  não esquecer ligar o treino com voz do aplicativo no meu celular, tampouco checar a bateria.

Quem sabe não baixo o meu pace de 6:13  batendo o meu RP de 5:58, de dezembro do ano passado, nos 10 km. Tá mais que excelente pro meu pódium, correndo aos 66.

Tudo preparado pra eu continuar meu treinamento pra esta corrida, incluindo fortalecimento muscular, natação e alongamento, e, na noite de terça desta primeira semana, um pequeno acidente doméstico: escovando os dentes, meu corpo foi pra um lado e o pé ficou. 

Nada grave, mas a leve dor que sentia ao caminhar exigiu atenção pra não lesionar algum tendão do joelho direito. Desisti de voltar do trabalho correndo como previsto e dispensei aa sandálias pra andar na rua, preferindo o tênis. 

Claro que não precisei caminhar muito indo pro trabalho de van e voltando de carona. Suspendi as corridas, apliquei calor e procurei por uma pomada de cânfora. Acho boa esta terapia quando não preciso ir ao ortopedista: gelo, calor e pomada.

Ainda que era vésperas de um feriadão: era a Páscoa! E,  na sexta feira da paixão de Cristo, segundo a tradição católica, me deu uma tremenda vontade de voltar a correr, mas decidi permanecer por mais alguns dias e ficar em casa, sem correr. Acreditei que iria melhorar logo e voltaria no domingo.

Aproveitando para estudar o capítulo sobre lesões musculares, aplico em mim mesmo os conhecimentos adquiridos na literatura do meu curso sobre estiramento de 1° grau e, quase não mais sentindo o pequeno dolorido, me tranquilizei um pouquinho mais. 

Não deixei de fazer minha série, descansando os joelhos, claro.  Só panturrilha, core e braços.
 Aproveitei pra brincar com o José, aparar a grama do jardim, podar algumas plantas e trocar uns móveis de lugar. Uma frente fria me presenteara com uma oportunidade maravilhosa de descansar.

Na manhã do domingo de Páscoa, saí pra minha corrida de 10 km já que não mais sentia o pequeno incômodo no joelho. Não resisti à oportunidade de checar o resultado dos treinos intervalados junto à estratégia de aceleração progressiva em "u" que eu havia estudado alguns dias antes no material da pós.

Quase bati meu RP  o que me deu a certeza de que é possível: basta sair um pouquinho só acelerado e aumentando gradativamente a velocidade durante 4 km para descansar de 1:30 minutos a 2 minutos e repetir por mais duas vezes guardando o fôlego nos para o sprint final no último quilômetro.

Na segunda o clima convidativo pra correr estimulava fazer um regenerativo de 5km: chovia e fazia  frio naquela primeira manhã depois do feriadão da Páscoa. Minhas pernas brigavam com a mente e, como criança que não quer acordar pra ir pra escola,  teimavam em tentar me convencer que meu lugar àquela hora era na cama. 

Sei que estes treinos eliminam metabólitos promovidos pelo acúmulo do lactato produzido ao final de um mesociclo de treino, principalmente, coroado por um longão, acima dos 10 km. Num dia depois, já não mais sentia as dores musculares, principalmente, na panturrilha. Outra vantagem.

Também sei que tenho limitado meus treinos em 10 km devido ao meu foco no Circuito RJ 2022 - 1a etapa, no final deste mês. Mas há outros motivadores que não imagina a minha vã fisiologia, brincando com o bardo anglicano.

Regenerativos regeneram bem mais que as fibras musculares: acho que estes momentos, de corrida leve, despreocupada com o rendimento, volume, intensidade, pace, estratégia, liberam a mente para aquela corrida gostosa da minha infância, quando, debaixo da chuva, passava a mão no capô de algum carro estacionado pra molhar um desavisado amiguinho que, irado, corria atrás de mim pra me bater. Brincadeiras de moleque aliviam qualquer estresse, inclusive os musculares.

Dou e respondo a mais bonsdias, ainda mais quando, ao responder a dois jovens corredores, na praia, eles me chamam de "pai" e eu retribuo divulgando o meu canal "correndo aos 66". Eles me devolvem com um elogioso "é por isto que está assim !" 

Vale à pena, porque o sorriso não é pequeno. Nem a alma, me lembra Fernando Pessoa, da literatura clássica portuguesa. Imagino, então, a generosa porção de corticoide sendo produzida. Dá pra semana inteira!

Sobra em bom humor, o que, nesta última semana, em meio à tragédias, dentro de algumas escolas, temos necessitado demais. Como bem fazia o genial Charles Chaplin, que nos legou o seu hilário personagem, o Carlitos, que se livrava de grandes enrascadas zoando com seus desafetos, é preciso sorrir e brincar como estratégia de sobrevivência. 

Um de seus inúmeros seguidores,  na moderna comédia italiana, me ensina que, afinal, a vida é bela! Tudo passa, até a dor das tragédias. Inevitáveis. Para nós  humanos, diferente dos pássaros presos nas gaiolas, o sofrimento é uma opção, me lembra Haruki Murakani.