sábado, 4 de outubro de 2008

O Bruxo do Cosme Velho


"As personagens de Machado são profundamente brasileiras, mas seus traços de brasilidade não se identificam aos traços que a tradição literária romântica nos ensinou a considerar brasileiros, como por exemplo o índio corajoso e exótico, ou o sertanejo folclórico e pitoresco. Não. A brasilidade de Machado de Assis evita falar de índios coloridos e tipos regionais.

A brasilidade de Machado consiste, assim, na fidelidade com que o romancista traz para seus romances todo o ambiente da sociedade urbana brasileira, miniaturizada nos salões e grupos humanos do
Segundo Império e dos primeiros anos da República. Machado recria, em seus romances, o mundo carioca (e brasileiro) de uma sociedade arcaica, cujos hábitos antigos e cerimoniosos e cujas atitudes cnvencionais dissimulavam, na boa educação e nos modos polidos, toda a violência de uma sociedade escravocrata, onde o apadrinhamento e o "jeitinho" solucinavam, sempre que necessário, as situações geradas por uma estrutura social assentada nos privilégios e numa divisão desigual dos bens." (LAJOLO, M. Literatura Comentada - Machado de Assis. São Paulo: Abril Educação, 1980)

CAPÍTULO CLX - Das negativas

"Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padecia a morte de Dona Plácida, nem a semi-demência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. ( ASSIS, Machado.
Memórias Póstumas de
Brás Cubas
. Brasília. Civiliz
ação Brasileira/MEC, 1975)




e agora, passeie procurando as palavras por trás das palavras...

A UM BRUXO, COM AMOR

Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e não me recebes
na sala trastejada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.


Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro.
Daí esse cansaço nos gestos e, filtrada,
uma luz que não vem de parte alguma
pois todos os castiçais
estão apagados.
Contas a meia voz
maneiras de amar e de compor os ministérios

e deitá-los abaixo entre malinas
e bruxelas.
Conheces a fundo
a geologia moral dos Lobo Neves
e essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para ciumentos.
E ficas mirando o ratinho meio cadáver
com a polida, minuciosa curiosidade
de quem saboreia por tabela
o prazer de
Fortunato, vivisseccionista amador.
Olhas para a guerra, o murro, a facada
como para uma simples quebra da monotonia universal
e tens no rosto antigo
uma expressão a que não acho nome certo

(das sensações do mundo a mais sutil):
volúpia do aborrecimento?
ou, grande lascivo, do nada?

O vento que rola do Silvestre leva o diálogo,
e o mesmo som do relógio, lento, iqual e seco,
tal um pigarro que parece vir do tempo da Stoltz e do gabinete Paraná,
mostra que os homens morreram.
A terra está nua deles.
Contudo, em longe recanto,
a ramagem começa a susurrar alguma coisa
que não se entende logo
e parece a canção das manhãs novas.
Bem a distingo, ronda clara:
É
Flora,
com olhos dotados de um mover particular
ente mavioso e pensativo;
Marcela, a rir com expressão cândida (e outra coisa);
Virgília,
cujos olhos dão a sensação singular de luz úmida;
Mariana, que os tem redondos e namorados;
e Sancha, de olhos intimativos;
e os grandes, de
Capitu, abertos como a vaga do mar lá fora,
o mar que fala a mesma linguagem
obscura e nova de
D. Severina
e das chinelinhas de alcova de Conceição.
A todas decifrastes íris e braços
e delas disseste a razão última e refolhada
moça, flor mulher flor
canção de manhã nova...
E ao pé dessa música dissimulas (ou insinuas, quem sabe)

o turvo grunhir dos porcos, troça concentrada e filosófica
entre loucos que riem de ser loucos
e os que vão à Rua da Misericórdia e não a encontram.

O eflúvio da manhã,
que o pede ao crepúsculo da tarde?
Uma presença, o clarineta,
vai pé ante pé procurar o remédio,
mas haverá remédio para existir
senão existir?
E, para os dias mais ásperos, além
da cocaína moral dos bons livros?
Que crime cometemos além de viver
e porventura o de amar
não se sabe a quem, mas amar?


Todos os cemitérios se parecem,
e não pousas em nenhum deles, mas onde a dúvida
apalpa o mármore da verdade, a descobrir
a fenda necessária;
onde o diabo joga dama com o destino
estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro,
que revolves em mim tantos enigmas.


Um som remoto e brando
rompe em meio a embriões e ruínas,
eternas exéquias e aleluias eternas,
e chega ao despistamento de teu pencenê.
O estribeiro Oblivion
bate à porta e chama ao espetáculo
promovido para divertir o planeta Saturno.
Dás volta à chave,
envolves-te na capa,
e qual novo Ariel, sem mais reposta,
sais pela janela, dissolves-te no ar.
(DRUMMOND, Carlos Drummond de Andrade. Reunião. RJ, José Olympio, 1980)

...e a respeito da fidelidade de Capitu?


...e sobre o amor de Machado por Carolina ?


Afinal, o que o Bruxo nos deixou, mesmo, foi um montão de mistérios.


Quem não os penetra serve de troça aos piparotes do Cubas em meio às traças roendo suas memórias, rssss

















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