Dinossauros ainda correm por aí?!


"Como estava no piloto automático, se alguém me dissesse para continuar a correr talvez eu fosse além dos cem quilômetros. É estranho, mas, no fim eu mal sabia quem eu era ou o que estava fazendo. (...) Nessa altura, correr adentrara o território da metafísica. Primeiro, vinha a ação de correr, e acompanhando-a estava essa entidade como eu. Corro, logo existo." Haruki Murakami, Do que eu falo quando falo em corrida (2010, p. 99)
Aos sessenta e um anos, um menino chegou na minha vida. Já com tudo estabilizado: casado, servidor público, no último nível de formação acadêmica, faltando apenas juntar os documentos para me aposentar, pai de duas filhas, adultas casadas, formadas e, também, funcionárias públicas, presentes do meu meu primeiro casamento.
Eu e Ana Paula, minha companheira não havíamos planejado uma criança que, efetiva e definitivamente, mudou as nossas vidas, claro, pra bem melhor!
Tudo se reveste de outros significados num casamento, depois de quase 30 anos!!!
Com a sua chegada, tudo mudou em nossas vidas, principalmente, nossos objetivos e planejamentos: tudo agora incluiria nosso filho!
No seu segundo aninho de vida, e eu, prestes a concluir o doutorado com a defesa de minha tese, o Brasil mergulha num pesadelo que persiste até o momento em que inicio este texto.
Nosso país conhece o seu mais sinistro momento histórico: a eleição de um governante, que, ainda em sua campanha já havia se mostrado déspota, homofóbico, misógeno e fascista e, logo, logo seria percebido, além de despreparado para o cargo, algo bem pior.
A luta pela liberdade e pela democracia sempre foi uma constante na minha vida e da minha família. Talvez ai resida a minha paixão por um dos esportes tão democrático quanto o futebol no nosso país: as corridas de rua. Elas atraem pessoas de todas as classes sociais, cor, religião, condição sexual, idade...
Estudante universitário, participei do movimento pelas Diretas Já, após um longo período de ditadura civil militar, militei pelas causas sociais, consciente da minha classe social.
Estive presente em diversas manifestações históricas, dentre elas, a principal: o ato pela democracia na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 1988, quando, também, participei da minha primeira maratona, a do Rio de Janeiro.
Minha mãe e irmãos sempre militaram por um país justo e democrático e procuramos passar para os nossos filhos um pouco de nossa história e comprometimento na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Permanecemos tentando manter o estado de Direito democrático por mais de trinta anos antes do golpe contra a democracia e instalação de governo que iria facilitar as retiradas dos direitos dos trabalhadores, enriquecimento das elites às custas do empobrecimento das famílias brasileiras.
Em meio ao caos social, fome e desemprego, uma nova tragédia, - claro, de maior magnitude! - acometeu, agora, todo o planeta: a pandemia do novo coronavírus.
Em seu primeiro ano, em 2020, ceifou a vida de 250 mil brasileiros, grande parte, devido à política genocida, que, aliada a uma propaganda negacionista de Jair Bolsonaro, com suas claras e eficazes ações para a rápida e maior disseminação do vírus.
Além do atraso na compra de vacinas, retardou o envio de balões de oxigênio para a cidade de Manaus contribuindo para deslustrar a imagem do SUS, que já vinha sofrendo com sua depauperação
José estava em seu primeiro ano de creche tendo comparecido a tão somente duas semanas de aula, apesar de toda a nossa alegria e entusiasmo com a sua felicidade. I
Isolados em nossa casa devido ao afastamento social necessário, passamos a viver uma realidade que jamais poderíamos ter imaginado e que sequer pudéssemos vir a viver: rígidos protocolos sanitários, uso de máscara e do álcool gel, ao receber, em nossa casa, motoboys trazendo produtos essenciais como alimentos e produtos farmacêuticos, comprados por aplicativos de celular.
Entretanto, o corpo passou a se ressentir da falta de movimentos, das caminhadas, de subir e descer escadas, de algum esforço além dos poucos dentro de uma casa.
E, num dos meus isolamentos dentro de nossa casa - realidade estranha demais!, trancado em nosso quarto devido à suspeita de contaminação, ao visitar um colega, voltei a fazer exercícios físicos regulares o que, após a quarentena, evoluiu, seguindo o exemplo do meu sogro, para caminhadas no quintal da nossa casa.
Parece que o corpo se acostuma com tudo, tanto o que é bom quanto com o que é ruim e, digo isto por experiência própria!
Dois anos após a pandemia, com a queda nos números de óbitos e contaminação no mundo e campanha de vacinação avançando, o Brasil seguiu a tendência e o Rio de Janeiro e decreta o fim do isolamento social com o retorno progressivo das atividades econômicas e culturais.
Talvez o sedentarismo compulsório tenha sido o grande motivador para pensar em voltar a correr. E isto depois de mais de 35 anos da minha última maratona concluída, entretanto, sedentário, não me arriscaria naquela tentação.
E não poderia ser diferente o início, caminhando pela orla de Sepetiba e, por aconselhamento médico, marquei consulta com vários especialistas, principalmente cardiologista, ortopedista e nutricionista.
Enquanto caminhava e pedalava algumas vezes por semana, realizava vários exames e, assim permaneci por um ano: segurando uma vontade enorme de voltar a correr!
Até que, tendo me adaptado a um ritmo confortável em mais de 5 km de caminhada, três dias por semana, retornei ao cardiologista que, depois de verificar pressão, batimentos cardíacos, os resultados de exames de sangue, ecocardiograma, ecodopler, transtoráxica, monitoramento de pressão arterial, teste ergométrico e outros, definitivamente, com os devidos aconselhamentos, me liberou pra voltar a correr o que, também, realizei bem devagar, começando com um ritmo e distância bem tranquilas, correndo pela orla, no final do ano de 2021.
As portas da nossa casa, ainda que de maneira bem estreita, reservada e cuidadosamente, foram abertas a poucas pessoas.
Mas, todo este cuidado não significou a expansão, o entusiasmo, as conversas gostosas e animadas, além da agradável bagunça das crianças à caça do tesouro escondido, e a viagem de navio, comandado por um pirata.
Assim, neste quarto aniversário de nosso menino, o José Vitor, ousamos receber, depois de afastamento devido a Covid, com gratidão e generosidade nossos familiares.
O Capitão Zeca não cabia dentro dele mesmo de tanto entusiasmo, energia e alegria, com os afagos, mimos e dengo das irmãs, cunhado, dindas, dindo, prima e primos, vovó, vovô, mamãe e papai.
E, claro, aproveitamos para inaugurar o jardim, muito desejado pelo aniversariante, que pediu -"Faz um jardim com gnomos pra mim e uma poção pra eles viverem, mamãe!".
Não bastasse a presença de tanta gente querida, Zeca ainda recebeu uma ligação de vídeo especial feita pelo seu grande amigo - e herói! - o homem aranha, que o chamou para, juntos, salvarem o mundo. E já começaram jogando a teia que nos une pelos laços de afeto.