sábado, 18 de fevereiro de 2023

Diário, 5ª semana 5.8 - A Meia Maratona de Angra dos Reis (Episódio 05/23)

AS REDES E O APRENDIZADO PELA EXPERIÊNCIA

Na corrida pela sobrevivência,  nossa espécie tem suplantado às demais, por sua capacidade adaptativa e de evolução. Quanto às tecnologias e artefatos, destacam-se as que garantem a alimentação.  

Assim é que as redes de pesca, em sua variedade de tipos, modelos e materiais, desde  os naturais como a grama, o linho e as  fibras de árvores e de algodão, além de ter garantido um novo status no desenvolvimento civilizatório por ter potencializado a pesca e garantir um maior volume de pescado, permitiu aos primeiro hominídeos lacustres e ribeirinhos permanecer um maior tempo numa região. 

Há 10.000 anos, o homem deixa sua condição de nomadismo (caçador-coletor), afastando-se de sua dependência da pesca, da coleta e da caça e, com a descoberta da agricultura, inicia o seu estágio de desenvolvimento através da agricultura e pecuária.

Entretanto, nas últimas décadas, ao utilizar as redes de pesca, o homem tem prejudicado o meio ambiente, causando enormes prejuízos, pois, a pesca de arrasto danifica o fundo do mar, além de não fazer distinção na captura dos peixes comercializáveis ou não, e isto sem contar a pesca em período de defeso proibida por lei.

Redes, perdidas e deixadas nos oceanos, enredam uma infinidade de animais não sós os marinhos e anfíbios como os golfinhos, as tartarugas como, também, aves e passarinhos o que exige tomada de consciência, fiscalização e rigidez na aplicação das leis pois a agressão ao meio ambiente só vem piorando nas últimas décadas.

Ao pensar nas outras redes - as sociais - também percebo uma situação alarmante, para a ecologia humana, na medida em que, por mais surpreendente que seja sua contribuição na atualidade, torna o homem refém de sua condição gregária.

Um paradoxo ou um dilema, na medida em que sou livre para administrar o meu tempo de permanecer on line, liberto das outras tecnologias, dos apps, dos sites se relacionamentos virtuais.

Claro que não estou criticando o uso racional da virtualidade, tampouco de alguns aplicativos. O  perigo reside em escutar o canto da sereia e não se permitir ser acorrentado feito Odisseu, o que me levou a pesquisar o uso das redes sociais e das tecnologias, durante o meu curso de mestrado, na UFRuralRJ, em 2011.

E as tecnologias, como todo implemento e artefato humano, inevitavelmente apresentam certas peculiaridades no seu curso de desenvolvimento o que nos faz repensar tanto a nossa dependência como na minimização de seus impactos, o que aconteceu comigo no penúltimo longão para a Meia de Angra, antecedendo outra prova em que me inscrevi, o Circuito do Sol, pela Appai de 15 km.

Meu relógio bugou exatamente quando mais precisava dele, e já tinha, sem saber, ultrapassado a distância limite a encerrar o terceiro, e penúltimo, mesociclo deste treinamento para a meia maratona. Não havendo o que fazer para continuar o registro, decidi, então, parar de correr no final da praia do Recôncavo, e voltei caminhando todo o resto do percurso,2,5 km. 

Chegando em casa, recuperando a memória do treino, armazenada no aplicativo, ao carregar o meu smart, me surpreendi com a distância percorrida: tinha corrido 15km49m.

Além de ainda dispor de mais outro longão, - o de 18 km, - a fazer antes da prova do dia 26, integralizei exatamente a distância que precisava para a prova do próximo final de semana, os 15 km do Circuito do Sol, que abre o calendário de corridas organizadas pela O2

Às 8hs do dia 13/02, vendo o meu celular visualizei no instagram da minha associação as inscrições abertas para aquela prova, que, na verdade, haviam sido reabertas tendo sido disponibilizadas mais vagas posteriormente, o que fez com que novamente se encerrassem em apenas 10 minutos.

Mas, além destas, a primeira prova do ano, em particular me acenava a possibilidade de visitar pessoas queridas e correr num trajeto cheio de boas lembranças das memórias da minha infância e adolescência: apesar de ter nascido na Urca, ainda criança fomos morar em Copacabana, mamãe,  eu, minha irmã e irmãos. Somente saí da zona sul do Rio de Janeiro, depois dos 20 anos, quando me casei pela com a minha primeira esposa.

Há diversas vantagens em correr longe de casa principalmente se tiver que viajar. Claro, se for com a família  melhor ainda! Em toda corrida que tenho participado, não só reforço os laços de pertencimento com quem tem a mesma paixão como reencontro pessoas que somente vejo nestas ocasiões. Mais nos cumprimentamos visualmente, no máximo,  um aperto de mãos que nos abraçamos. 

A hidratação e as zoações depois da corrida, das fotos, o "lanchinho", a massagem - quando tem lounge! -  fazem parte do ritual, e a "estendida",  principalmente num barzinho ou lanchonete próximo.

Eu, particularmente, aproveito para ver minhas filhas, na Tijuca, ou um velho amigo de infância, o Joel, que mora no centro do Rio, pertinho do Sambódromo.

Esta é a única oportunidade mais que agradável, já que, dormindo na casa deles, além de ficar mais tempo conversando, fico bem mais próximo do local da corrida, não correndo riscos com os imprevistos, como aconteceu no dia 12/02, quando participei do Circuito do Sol, no Aterro do Flamengo.

O meu brother, nascido no mesmo ano que eu, nos conhecemos ainda estudantes do antigo primário, numa escola da zona sul do Rio de Janeiro, há bastante tempo. E bota bastante tempo nisto! Sei que, no Educandário Ruy Barbosa, em Laranjeiras, sempre que ele apontava o dedo na minha cara, eu dava uma mordida e saía correndo. 

O casarão colonial de dois andares localizado na rua Gago Coutinho fica no meio do caminho entre a Praça do Largo do Machado e o Parque Guilhen, a poucos metros de ambos. Claro que, ao invés de, na saída, voltarmos direto para casa, seguíamos na direção contrária para brincar um pouco. Uma de nossas brincadeiras prediletas era descer a grama sentados em folhas de palmeiras. E continuava a brincadeira quando voltava passando na casa do Joel pra jogar botão.

Tive que estudar naquela escola particular por alguns anos porque, não sendo um estudante exemplar, como meus irmãos e minha irmã, não teria como passar no antigo - e terrível! - exame de admissão. Aliás, isto eu também guardo em comum com o meu brother: seu irmão, o Batata, sempre estudou em escola pública. 

Correndo no parque ou no pátio do colégio, Joel nunca me pegava, apesar de tentar por alguns metros. Meu apelido era "frango veloz", não só porque corria muito, mas, por ser magrinho como o personagem do comercial - "O frango mais veloz do mundo".

Como nunca fomos alunos brilhantes, apesar de que o Joel me lembra que eu sempre gostei de ler e de escrever, para atraira atenção das meninas, achava que  teria que ser ou um bom jogador de futebol ou músico.  Como o máximo que eu consegui foi uma vaga de goleiro, jogando bola na praia,  ao crescemos juntos, saindo da adolescência, montamos um conjunto de rock, o "Molotov", onde pude ousar escrevendo alguns versos para as nossas canções.

Ensaiávamos, nos finais de semana, na garagem de uma casa, na Praia do Flamengo. Também começamos a trabalhar, juntos, numa sapataria da Av. Nossa Senhora de Copacabana, mas, não deixamos de ensaiar, estudar música e, quando havia convite, saíamos com a nossa banda, de Kombi, para tocar em outros bairros do Rio e outros, distantes, como em Niterói. 

Casamos também no mesmo ano em aos 23 anos, saí de Copacabana e fui morar no Rio Comprido. Coincidentemente, ele foi morar no mesmo prédio. Na época, magrinho e atleta, ele era um jogador de futebol de salão muito veloz o que me impressionava com a rapidez dos dribles dele. Alguns anos depois, ele já com dois filhos e, eu, com duas, nos divorciamos. 

E, por algum tempo, deixamos de nos visitar até que eu, já com a minha atual companheira, reatamos nossos laços e, de lá para cá nunca mais nos afastamos. Nunca deixamos nossa paixão e entusiasmo pela vida, sempre comemorada com muita alegria, música, comidinhas e cerveja de lado em nossos reencontros neste mais de meio século de convivência.

Temos lá nossas divergências políticas e, não sei porque ele é a única pessoa que consigo contemporizar o seu ponto de vista, sempre discordando, claro! Mas ponho isto na conta da rabugice dele, de não dar o braço a torcer. 

É que, desde a infância, nossa mãe nos ensinou que a pobreza não pode ser naturalizada; que todos temos que ter os mesmos direitos e obrigações; a não ser intolerante; que lugar de mulher é onde ela quiser estar.

Definitivamente, estes tempos nos alertam das armadilhas das redes: a descoberta de pedras de plástico transcende qualquer nível de aceitação minimamente humana, pois nos diz a respeito do nosso instinto de sobrevivência. Em alguns aspectos, a espécie humana não pode mais ser tolerante.

Não podemos mais tolerar tamanha agressão ao meio ambiente: os menores gestos e atitudes fazem uma enorme diferença e isto eu pude vivenciar quando saí de casa para correr o Circuito do Sol e, no ponto de ônibus, um senhor me ofereceu, gentilmente, uma bala, pelo que, devido a sua insistência, eu aceitei.

A conversa era sobre as mudanças climáticas e os cuidados com o  nosso bairro, os perigos dos alagamentos e os prejuízos causados pelas chuvas de verão, quando ele afirmou que, "Deus dispõe sobre tudo" e que, o que está acontecendo já estava escrito na Bíblia. De pronto, eu respondi que Deus dispõe, sim!, mas que, compete ao homem gerenciar o planeta e o seu destino.

Sem discordar do que eu havia falado, tirou o papel de sua bala e, naturalmente, jogou no meio fio, bem pertinho do ralo. Claro, aproveitei o exemplo, que ele mesmo estava dando, para lhe falar que "Deus dispõe, sim!, mas, temos que nossas atitudes, como aquela, de jogar papel na rua, colaboram com as enchentes e tudo o que elas trazem de prejuízos para o nosso bairro.

Tenho aprendido que tudo, dito com educação e gentileza, não fere, não magoa e, muito pelo contrário, cria uma atmosfera propícia ao diálogo, à mútua compreensão, pois não vivemos sozinhos e dependemos uns dos outros para a nossa sobrevivência.

Acho que aprendi a conviver com as diferenças ainda na minha infância, junto com a percepção de que dependemos uns dos outros para a nossa sobrevivência. Não bastara o fato de que os Roitberg, família originária dos Urais, da antiga União Soviética, chegara ao Brasil por conta de uma das diásporas que nos espalhou pela Europa, depois da Revolução Bolchevique, em 1917, ainda conseguimos sobreviver ao holocausto, à sanha de um dos maiores facínoras que a história conheceu, na Alemanha nazifascista.

Dos Roitberg, além do sobrenome, na certidão, carregamos este lastro de responsabilidade histórica e a sanha de sobreviver, e, no lugar do rancor pelo abandono pelo nosso pai, ainda crianças, um enorme orgulho de termos sidos criados e educados por nossa mãe, apesar de toda a falta que faz a falta de referência paterna, ato comum entre tantos outros homens no Brasil: ao abandonarem seus filhos, impõem todo o peso da responsabilidade, inclusive a financeira, ao encargo das mães.

Nossa mãe foi quem nos mostrou como dependemos uns dos outros e foi a primeira mulher a demonstrar, na prática, a necessidade de se fazer redes: sem recursos algum para sustentar sozinha seus 5 filhos, não hesitou em pedir abrigo às suas crianças aos amigos próximos, de Copacabana e parentes distantes, no Rio Grande do Sul, nos idos de 1960.

Assim que pode nos reunir, além das economias que conseguia costurando, passou a alugar vagas no  apartamento alugado onde morávamos, focada em nossos cuidados e alimentação, nos educando para que, segundo ela, todos fôssemos doutores. 

Claro que todos tivemos que contribuir não só nas tarefas domésticas, como, também, nas economias: assim que chegamos à adolescência - eu, com 14 anos - depois fomos da escola, fomos trabalharlhar para ajudar na alimentação e nos pagamentos das contas. Na época  havia a carteira de trabalho infantil e nem se pensava nos direitos das crianças, no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda criança, além de eu e meu irmão nego, , entregavámos pão bem cedinho, depois da escola, expunha gibis na calçada para vender e, na praia, "fingia" ajudar os pescadores, da Colônia de Pesca do Posto 6, em Copacabana, puxando suas enormes redes para que, por generosidade, nos dessem algumas sardinhas que, junto com os mariscos da Pedra do Arpoador, tatuís que pegávamos na areia da praia e a xepa da feira, tivéssemos o básico da alimentação garantido ao que se somava os outros alimentos comprados no mercado.

Corridas de rua e, em especial, as de longa distância como as maratonas, na minha compreensão, é o esporte ideal para exercer a paciência, a observação e a escuta sensível e, apesar de ser uma prática esportiva individual, ela necessita, demais, de toda uma rede de apoio, não só da família, como, também, de amigos corredores, ou seja, maratona é um esporte coletivo e individual ao mesmo tempo. São elas que mais exemplificam as redes e o aprendizado pela experiência.

Cada treino, cada prova, cada corrida me permitem, como num laboratório, ao mesmo tempo sociológico e fisiológico, perceber cada detalhe que integra o meu corpo junto aos outros corpos, numa teia familiar e universal. Entre amigos e amigas novos e antigos, reencontros e encontros, além de toda a nossa complexa fisiologia, produção e equilíbrio, hormonal, incentivamo-nos e renovamos nossas esperanças naquilo em que acreditamos sejam quais forem os nossas crenças e ideologias.








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