O ANIMAL CONTADOR
DE HISTÓRIAS. Lúcia Guimarães (Programa Saia Justa, GNT, 12/06/2012)
Lúcia
Guimarães entrevista o escritor do livro “Storytelling Animal”, Jonathan
Gottschal, para saber mas sobre o hábito de contar histórias.
Lúcia
Guimarães: O que nos torna humanos? O novo
livro argumenta que é a nossa capacidade para a narrativa. Em o contador de
histórias, Jonathan Gotschall argumenta
que, mais do que a linguagem ou as ferramentas inventadas pelo homem, foi a
nossa capacidade de desfiar uma trama que nos tornou especiais, o que não quer
dizer ser fieis aos fatos.
Lúcia
Guimarães: Por que se a gente puser vários
irmãos numa mesma sala, eles vão contar histórias diferentes da vida que
tiveram juntos?
Jonathan
Gotschall : Nós confiamos muito nas nossas memórias e essa confiança parece
deslocada quando analisada por psicólogos. Eles puderam demonstram que nós não
só esquecemos, esquecemos onde deixamos nossas chaves. É mais do que isto,
estamos compondo ficção com memórias. E estamos fazendo isto não ao acaso, nem
a favor ou contra nossas memórias. Nós alteramos a memória de uma forma que nos
glorifica[i]
, mas se argumenta que ajuda as pessoas a viver melhor, ajuda as pessoas a ter
confiança, maior autoestima. As pessoas que têm memórias mais precisas têm uma
maior tendência a sofrer de depressão[ii].
TRECHO DO
FILME TRUE LIFE
Lúcia
Guimarães: O que
séries como True Life dizem da narrativa na nossa cultura?
Jonathan
Gotschall Crepúsculo, Harry Poter, minha filha está
lendo muita mitologia grega, noto que há uma tendência em comum: a mágica. Os
deuses estão vivos de novo. O mal ronda a terra de novo. Demônios, espíritos. Acho
que pode ser uma reação ao mundo moderno, em que Deus está morto, não há
mágica, a ciência já explicou tudo. Os jovens podem ir a uma Terra do Nunca,
onde os deuses têm o seu poder, os
deuses gregos estão todos vivos[iii]
, onde os vampiros[iv] (além
do bem e do mal) são reais, esse tipo de coisa. Então acho que é emocionante e
mágico para eles.
P. Você
termina o livro em tom de otimismo, e você acha que a juventude[v]
está revigorando a narrativa[vi].
Jonathan
Gotschall : Sim, eu acho que muito conservadorismo velho por aí, gente que não
está gostando da nova mídia, da coisa digital, [vii]
querem que tudo volte a ser como
antigamente [viii],
mas este é um tempo estimulante para contar histórias, falo de canções de rap .
CENA DE
FILME
O videogame
é uma fronteira interessante de narrativa[ix]
. Se você assiste a um comercial sobre videogame na TV, na maioria das vezes
está assistindo a um trailer de um filme. O videogame permite que você fique
inserida na trama[x].
Na interatividade do videogame você personagem e autora. Esta é uma fronteira
interessante da narrativa porque em 30, 50 anos, imagine como serão os games.
Há tanta possibilidade.[xi]
[i] A representação social,
estudada por Irving Goffman assim como os heterônimos construídos pelo poeta
português Fernando Pessoa me ajudam no entendimento de que somos o que contamos
aos outros (e a nós mesmos) sobre as nossas experiências, glorificando-nos. Penso na competição, na
superação do outro, enquanto instinto, muito mais do que estratégias de
empoderamento. Semelhante à luta pelas conquistas, pelos espaços... Afinal, aos
vencedores serão dadas as batatas, conforme o romance Quincas Borba, de Machado
de Assis.
[ii] Isto não é uma
generalização?!
[iii] Neste tipo de filme, os
deuses gregos são moralizantes, lançam lições e dão exemplos, de que o mal
sempre será punido e o amor vencerá. Dionísio resgataria o prazer e a estética
necessários.
[iv] Tipos além do bem e do mal
que, em filmes como Crepúsculo, invertem o modelo do vampiro do mal. Diferentes
leituras vampirescas encontramos em Entrevista com o vampiro e em Nosferatu. O
cinema clássico imortalizou estes tipos que coloca o espectador na dúvida de
quem é o monstro, haja vista Drácula, de Ben Stocler.
[v] De que juventude trata o
autor? Qual a sua concepção? Ao opor àqueles que não aceitam as “novas” mídias,
parece mais os progressitas, os que não são conservadores. Ora, entre os jovens, considerandoo conceito psicológico da adolescência (teenage), não existem
os conservadores e os progressistas? Estes são valores construídos socialmente, dentro das famílias, nos clubes, escola, igreja...
[vi] Aqui me parece mais os contos
(tales), semelhantes a filmes como Estória sem fim, O Senhor dos Aneis..., do
que, propriamente, um gênero literário. Pode ser que ele tenha se enganado
entre suporte e gênero da narrativa...
[vii] discussão já ultrapassada da
tecnolatria X tecnofobia, mais um argumento a favor não de uma idéia, mas uma
estratégia de marcketing )
[viii]
Infundado, porque é impossível!
[ix] (livro jogo, RPG...)
[x] trama (convite ao leitor,
Machado de Assis, José de Alencar, A confissões do jovem Whether, foco da
narrativa...), pode ser a heroína, não é mais a espectadora (e quando é que
isto acontece? Sempre nos identificamos, ou mais ou menos. Não existe a
neutralidade dialógica). Você está dentro da ficção e influencia o final (não é
assim com a nossa vida? Então, o que é ficção? Certamente não sinônimo de
verossimilhança)
[xi] o que conseguiu ir além de 20
mil léguas submarinas, Viagem ao Centro da Terra, que eu li quando criança, na
escola?! Ou a gente ainda se lembra do que pensávamos sobre o futuro quando assistíamos
a Os Jetsons: um futuro quem máquinas que nos facilitariam em tudo... Parece
mais o encantamento pela tecnologia do que pelas potencialidades narrativas
permitidas por elas. Cinzel, pena de ganso, caneta, máquina de escrever
mecânica, elétrica, eletrônica, teclado acompanharam a qualidade das
narrativas? Heróis, vilões, mocinhas já se encontravam pintados nas cavernas de
nossos ancestrais, chegando aos vasos gregos com as cenas da Ilíada. Quais as
possiblidades de criação de enredos para RPGs como o enredo de Dungeons &
Dragons, Vampires? Eles não existem na dependência de fazer cultura? Afinal, o
artista é o cronista de seu tempo. As possibilidades existem, sim, na medida em
que é muito melhor teclar do que escrever, ferramentas como corte e cola. Os
hiperlinks, que sempre efetuamos, são potencializados pelo digital. Ainda sem
computador, internet, há obras que me desafiam o entendimento como os vários
livros em O Jogo da amarelinha,
de Júlio Cortazar, a polifonia em
Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso, as digressões e a conversa
com o leitor, em Memórias
Póstumas de Brás Cubas... de Machado de Assis.
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