sexta-feira, 12 de outubro de 2012

As narrativas na construção de nós mesmos.


O ANIMAL CONTADOR DE HISTÓRIAS. Lúcia Guimarães (Programa Saia Justa, GNT, 12/06/2012)
Lúcia Guimarães entrevista o escritor do livro “Storytelling Animal”, Jonathan Gottschal, para saber mas sobre o hábito de contar histórias.
Lúcia Guimarães:  O que nos torna humanos? O novo livro argumenta que é a nossa capacidade para a narrativa. Em o contador de histórias, Jonathan Gotschall  argumenta que, mais do que a linguagem ou as ferramentas inventadas pelo homem, foi a nossa capacidade de desfiar uma trama que nos tornou especiais, o que não quer dizer ser fieis aos fatos.
Lúcia Guimarães:  Por que se a gente puser vários irmãos numa mesma sala, eles vão contar histórias diferentes da vida que tiveram juntos?
Jonathan Gotschall : Nós confiamos muito nas nossas memórias e essa confiança parece deslocada quando analisada por psicólogos. Eles puderam demonstram que nós não só esquecemos, esquecemos onde deixamos nossas chaves. É mais do que isto, estamos compondo ficção com memórias. E estamos fazendo isto não ao acaso, nem a favor ou contra nossas memórias. Nós alteramos a memória de uma forma que nos glorifica[i] , mas se argumenta que ajuda as pessoas a viver melhor, ajuda as pessoas a ter confiança, maior autoestima. As pessoas que têm memórias mais precisas têm uma maior tendência a sofrer de depressão[ii].
TRECHO DO FILME TRUE LIFE
Lúcia Guimarães:   O  que séries como True Life dizem da narrativa na nossa cultura?
Jonathan Gotschall    Crepúsculo, Harry Poter, minha filha está lendo muita mitologia grega, noto que há uma tendência em comum: a mágica. Os deuses estão vivos de novo. O mal ronda a terra de novo. Demônios, espíritos. Acho que pode ser uma reação ao mundo moderno, em que Deus está morto, não há mágica, a ciência já explicou tudo. Os jovens podem ir a uma Terra do Nunca, onde os deuses têm o seu poder,  os deuses gregos estão todos vivos[iii] , onde os vampiros[iv] (além do bem e do mal) são reais, esse tipo de coisa. Então acho que é emocionante e mágico para eles.
P. Você termina o livro em tom de otimismo, e você acha que a juventude[v] está revigorando a narrativa[vi].
Jonathan Gotschall : Sim, eu acho que muito conservadorismo velho por aí, gente que não está gostando da nova mídia, da coisa digital, [vii]  querem que tudo volte a ser como antigamente [viii], mas este é um tempo estimulante para contar histórias, falo de canções de rap .
CENA DE FILME
O videogame é uma fronteira interessante de narrativa[ix] . Se você assiste a um comercial sobre videogame na TV, na maioria das vezes está assistindo a um trailer de um filme. O videogame permite que você fique inserida na trama[x]. Na interatividade do videogame você personagem e autora. Esta é uma fronteira interessante da narrativa porque em 30, 50 anos, imagine como serão os games. Há tanta possibilidade.[xi]


[i] A representação social, estudada por Irving Goffman assim como os heterônimos construídos pelo poeta português Fernando Pessoa me ajudam no entendimento de que somos o que contamos aos outros (e a nós mesmos) sobre as nossas experiências,  glorificando-nos. Penso na competição, na superação do outro, enquanto instinto, muito mais do que estratégias de empoderamento. Semelhante à luta pelas conquistas, pelos espaços... Afinal, aos vencedores serão dadas as batatas, conforme o romance Quincas Borba, de Machado de Assis.
[ii] Isto não é uma generalização?!
[iii] Neste tipo de filme, os deuses gregos são moralizantes, lançam lições e dão exemplos, de que o mal sempre será punido e o amor vencerá. Dionísio resgataria o prazer e a estética necessários.
[iv] Tipos além do bem e do mal que, em filmes como Crepúsculo, invertem o modelo do vampiro do mal. Diferentes leituras vampirescas encontramos em Entrevista com o vampiro e em Nosferatu. O cinema clássico imortalizou estes tipos que coloca o espectador na dúvida de quem é o monstro, haja vista Drácula, de Ben Stocler.
[v] De que juventude trata o autor? Qual a sua concepção? Ao opor àqueles que não aceitam as “novas” mídias, parece mais os progressitas, os que não são conservadores. Ora,  entre os jovens, considerandoo conceito psicológico da adolescência (teenage), não existem os conservadores e os progressistas? Estes são valores construídos socialmente, dentro das famílias, nos clubes, escola, igreja...
[vi] Aqui me parece mais os contos (tales), semelhantes a filmes como Estória sem fim, O Senhor dos Aneis..., do que, propriamente, um gênero literário. Pode ser que ele tenha se enganado entre suporte e gênero da narrativa...
[vii] discussão já ultrapassada da tecnolatria X tecnofobia, mais um argumento a favor não de uma idéia, mas uma estratégia de marcketing )
[viii] Infundado, porque é impossível!
[ix] (livro jogo, RPG...)
[x] trama (convite ao leitor, Machado de Assis, José de Alencar, A confissões do jovem Whether, foco da narrativa...), pode ser a heroína, não é mais a espectadora (e quando é que isto acontece? Sempre nos identificamos, ou mais ou menos. Não existe a neutralidade dialógica). Você está dentro da ficção e influencia o final (não é assim com a nossa vida? Então, o que é ficção? Certamente não sinônimo de verossimilhança)
[xi] o que conseguiu ir além de 20 mil léguas submarinas, Viagem ao Centro da Terra, que eu li quando criança, na escola?! Ou a gente ainda se lembra do que pensávamos sobre o futuro quando assistíamos a Os Jetsons: um futuro quem máquinas que nos facilitariam em tudo... Parece mais o encantamento pela tecnologia do que pelas potencialidades narrativas permitidas por elas. Cinzel, pena de ganso, caneta, máquina de escrever mecânica, elétrica, eletrônica, teclado acompanharam a qualidade das narrativas? Heróis, vilões, mocinhas já se encontravam pintados nas cavernas de nossos ancestrais, chegando aos vasos gregos com as cenas da Ilíada. Quais as possiblidades de criação de enredos para RPGs como o enredo de Dungeons & Dragons, Vampires? Eles não existem na dependência de fazer cultura? Afinal, o artista é o cronista de seu tempo. As possibilidades existem, sim, na medida em que é muito melhor teclar do que escrever, ferramentas como corte e cola. Os hiperlinks, que sempre efetuamos, são potencializados pelo digital. Ainda sem computador, internet, há obras que me desafiam o entendimento como os vários livros em O Jogo da amarelinha, de Júlio Cortazar, a polifonia em Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso, as digressões e a conversa com o leitor, em Memórias Póstumas de Brás Cubas... de Machado de Assis.



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