terça-feira, 30 de outubro de 2012

Autorização e autonomia em meio às "caras de 'ué?!"



Creio que todos nós, professores, já nos encontramos diante de uma turma  cujos  alunos permaneceram completamente calados.
No meu caso, a cara de “ué?!”  me colocava em dúvida sobre,: 1) se não nem ao menos me escutaram; 2) se não entenderam nada do que falei ou  então 3), já sabiam de tudo, ou...
A estas inúmeras dúvidas  se acrescentaram  outras, a partir de tantas outras discussões, conversando sobre autorização entendida como a capacidade de nos libertarmos o suficiente para escrever, falar, enfim, expressar as ideias que vimos  construindo – e desconstruindo -   quando necessário em todo e qualquer lugar a qualquer momento.
Crescemos na dualidade entre duas “escolas”: a escola escola e a “escola da vida” e foi, exatamente esta que fez com que adquiríssimos a liberdade necessária para não ficar “com o dedo levantado na sala de aula”, aguardando que a professora nos “desse a palavra”.
Todos nós,  de alguma forma, já pegamos, em algum momento,  o nosso “pé de cabra”, a nossa picareta, a nossa “malvina” tão necessárias e necessários em determinados momentos, quando não nos cederam as  chaves, o código de acesso, a regra da etiqueta: “aguarde a sua vez para falar, isto é sinal de educação”, ou, então, “ouça primeiro, pra depois falar”.
Não que não existam procedimentos necessários para que todos possam aproveitar de uma conversa. O que digo aqui é que vejo como necessário um ambiente horizontalizado para que haja interação, intercriticidade, diálogo, lembrando a ideia contida no sufixo desta palavra: “ através”.
Palavras transpassando, o que me permite repensar a máxima de Paulo Freire: "A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada" (p. 105)
Dentro ou fora das diversas salas de aula, horizontalizamos  freirianamente estes espaços de construção, no coletivo, transpassado por tantas narrativas, demonstrando nossa autorização e autonomia.
Creio que autorização, que prescinde da autonomia,  é a inversão da lógica do sistema explicador (Rancière), na medida em que  “ninguém é sujeito da autonomia de ninguém” (Freire, p. 107) e que  nos autorizamos e desenvolvemos nossa autonomia com o nosso amadurecimento, com todas as nossas experiências respeitosas da liberdade.
Talvez seja por isto que tanto nos incomoda a cara de “ué?” nos estudantes: pensando a lógica da dominação simbólica, pode ser que alguns deles ainda estejam esperando que alguém lhe dê a palavra... ou não.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ª ed. São Paulo: Paz e Terra. 1996.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. 3ª Ed.: Belo Horizonte: Autêntica. 2011
Julio Roitberg, 30/10/2012

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